Blog do Jeferson Almeida

Jovem tenta fazer assalto, vai preso, canta música em camburão de viatura e fica famoso; “Me Libera Nega” é a nova treta do verão baiano

Ítalo surgiu na mídia após ser preso e cantar durante o programa Balanço Geral.

Se você ainda não ouviu “Me Libera Nega” neste verão, prepare-se. O samba-reggae promete bater o fenômeno “Deu Onda”, de MC G15, e é uma das apostas para o Carnaval desde que foi cantada pela primeira vez… na porta de uma delegacia em Salvador. Preso em flagrante ao tentar roubar um celular, o autor da música ainda estava no porta-malas da viatura quando avistou a equipe do programa policial “Balanço Geral”, da TV Record. “Foi um erro, um ‘escorregamento'”, explica Ítalo Gonçalves, por telefone, ao UOL. “Mas Deus me deu a visão, naquele momento. Quando eu vi a movimentação, pensei: ‘Chegou a minha hora’.”

Enquanto o policial narrava o flagrante, o suspeito aproveitou o microfone da emissora para cantar –com sotaque e língua presa: “Me libera nega, deixa eu te amar / Me libera nega, novinha vou te sentir / Me libera nega, vem pro Olodum / Eu vou te dar um beijo, depois vou te dar mais um”. Sentindo que nascia ali um viral, o repórter deu corda: “É um artista”. Hoje, Ítalo já pode se considerar um. Durante os dois dias que passou na detenção, em novembro passado, o baiano de 19 anos foi alçado de meliante a grande revelação do Carnaval. O caso televisionado colocou “Me Libera Nega” na boca do povo e, pouco mais de um mês depois, a canção ganhava versão em estúdio e distribuição pela multinacional Sony Music.

Durante os dois dias que passou na detenção, em novembro passado, o baiano de 19 anos foi alçado de meliante a grande revelação do Carnaval. O caso televisionado colocou “Me Libera Nega” na boca do povo e, pouco mais de um mês depois, a canção ganhava versão em estúdio e distribuição pela multinacional Sony Music.

Encerrou o ano repaginado. Tomou um banho de loja, atuou no clipe com a atriz Aline Nepomuceno (de “Ó, Pai, Ó”) e assumiu a nova alcunha artística, inspirado pela própria composição: MC Beijinho. A letra ingênua viciou tanto o jogador Daniel Alves quanto Caetano Veloso, que se rendeu aos versos em uma versão bossa-nova ao violão.

Ítalo lamenta que a fama tenha batido à porta justamente nas páginas policiais, mas não deixa de comemorar. “No fim, consegui reverter toda a situação”, diz. Ou quase toda. Antes mesmo de ser lançada oficialmente na sua voz, “Me Libera Nega” já circulava com outro cantor e outra versão.

Hit em disputa

Nos dias seguintes à prisão, Ítalo continuou a ganhar cartaz. A pauta na televisão agora era: “Ítalo vai conseguir mudar de vida?”. Para ajudar na missão, a emissora chamou o cantor Filipe Escandurras. Conhecido como compositor de sucessos de outros carnavais, como “Lepo Lepo”, sucesso com Psirico, ele selou a parceria e chamou Ítalo para o estúdio.

Com um verso a mais, de outra autoria, na letra, a gravação não ficou restrita à TV, e embora o nome de MC Beijinho aparecesse nos créditos como participação especial, pouco se ouvia da sua voz. Até mesmo um outdoor apareceu no centro de Salvador para promover a música, mas nem sinal do compositor.

O caso dividiu os ouvintes. Teve quem creditou o sucesso à primeira gravação de Filipe Escandurras, enquanto outros defendiam que se tratava de apropriação indevida.

Editora da composição, a Universal afirmou ao UOL que enviou ao artista uma notificação para que a música deixe de ser executada imediatamente. “Essa disputa por [autoria de] músicas é muito comum na Bahia, mas no Brasil a lei obriga a pedir autorização. [Escandurras] não tem a autorização. Nossa missão é proteger o autor”, diz Marcelo Falcão, diretor da Universal Brasil.

Escandurras afirmou ao UOL que gravou “Me Libera Nega” quando a canção não havia sido registrada. “Com a entrada de terceiros, o Escandurras não tem mais interesse e vai deixar de trabalhar a música”, afirmou o advogado do artista à reportagem.

Com a fala mansa e a ingenuidade evidente quanto ao estrelato recém-descoberto, Ítalo resumiu o imbróglio: “Os fãs reclamaram que minha voz não aparecia. Por isso gravamos uma só comigo”.

De vendedor de mousse a puxador de trio

Antes de se tornar MC Beijinho, Ítalo vivia intensamente o Carnaval baiano, mas do outro lado da corda. Passava a folia vendendo algodão-doce e mousse no circuito Barra-Ondina. Só entrava na pipoca quando cruzava com o trio da antiga banda de Bell Marques. “Sou amarradão no chicletão”, conta.

Fora da festa, trabalhava em um pet shop e no camelô. Ganhava R$ 2 a cada barraca montada. Durante o trabalho, cantava a famosa composição. “Fazia um tempinho que eu vinha tentando emplacar essa música. Ia lá na ponta do Olodum. Nunca rolava”, lembra. “Mas muita gente me dizia que um dia essa música ia explodir. Eu sempre acreditei. A música agora é do povo.”

Foi essa certeza que o cineasta Chico Kertész teve ao assistir a reportagem na porta da delegacia. “Fiquei impressionado com a capacidade que ele teve de reverter aquilo”. Diretor do documentário “Axé: Canto do Povo de um Lugar”, Chico dirigiu por iniciativa própria o clipe de “Me Libera Nega” e prepara um curta-metragem sobre Ítalo e seu –até agora único– sucesso. “Quero ver até onde vai chegar essa música”, diz o cineasta ao UOL.

Após a detenção, Ítalo segue em uma casa de recuperação cristã, em Salvador, e diz estar se preparando para subir no seu próprio trio este ano: “Vocês vão ouvir muito falar de mim neste Carnaval”.

 


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